Aqui fica mais uma contribuição do Sr Carlos Pereira, desta vez acerca dos nossos Silos, mais conhecidos pelos Potes Mouros.
Silos de Alcobertas: a sua origem e breve historial
Este tipo de monumento surge pela necessidade de se conseguir aumentar a longevidade dos géneros alimentares, com vista à criação de reservas suficientes para suporte em época de maior dificuldade em obtenção de alimentos, pelas mais variadas razões, levou ao aparecimento de diversos meios de conservação (salga, frio, fumeiro, etc.), e de armazenagem, para uma utilização a médio ou longo prazo, desde muito cedo. Tal irá permitir, em grande medida, o alargamento dos territórios explorados pelo homem, bem como a sua sobrevivência em climas hostis, em situações adversas e de carestia.
São vários os exemplos do aparecimento de pequenos silos ou covas em habitats pré e proto-históricos. Mas o tipo de silo que nos propomos estudar neste trabalho encontra o seu parente mais próximo no período islâmico, de que existem vários exemplares, número que tem vindo a aumentar com o incremento de estudos e trabalhos de arqueologia urbana tem vindo a trazer à luz do dia.
Os Silos Medievais de Alcobertas foram escavados num maciço de Grés, num local ermo, tendo apenas como vizinhança, pelo que nos foi possível observar, o pequeno forno de cerâmica, muito possivelmente do mesmo período.
Na obra de Oliveira Marques, sobre a agricultura em Portugal, onde o autor se propôs analisar a questão cerealífera durante a Idade Média, vamos encontrar diversas referências relativas a este tipo de património.
O primeiro dado a reter prende-se com a clara percepção da grande longevidade deste tipo de solução para a armazenagem de diversos produtos, bem como a sua função sócio-económica, uma vez que,
”Ainda no século XIX se utilizavam, no Alentejo, as tulhas subterrâneas, ou covas, praticadas nas faldas dos montes para armazenagem de cereais. (...) Remontando, pelo menos, a dominação árabe, este uso das «covas de pão» acha-se intimamente ligado a uma estrutura económica que colocava a auto-suficiência em cereais como ideal supremo a atingir por cada região” (Marques 1968, pág. 111)
“Ao ideal da auto-suficiência, traduzido pela armazenagem sistemática em celeiros e em covas e pela ausência de um sistema regular de compra e venda, foi-se a pouco e pouco substituindo o principio geral do mercado.” (Marques 1968, pág. 120)
“(...) a regressão económica da Península Ibérica nunca foi tão marcada como a de outras regiões europeias, mercê do «travão» islâmico e do constante intercâmbio entre cristãos e muçulmanos. Em contrapartida, a situação geográfica da Espanha, e particularmente de Portugal, determinou sempre uma persistência de formas arcaizantes, que assume as características de constante histórica. Assim, se, por uma parte, a organização mercado surge relativamente cedo na terra portuguesa, o sistema feudal de auto-suficiência persiste, por outra, até uma época espantosamente tardia, (...) ” (Marques 1968, pág. 121)
“Um passo da Chronica do Condestabre elucida-nos sobre o sistema cerealífero utilizado nas vastas propriedades do maior terratenente do País. Esse sistema era tipicamente feudal e dominial: nunca se vendia qualquer excedente de produção, que toda era encovada em silos e celeiros. Nestes termos, em época de crise, não apenas o «domínio» se bastava a si próprio, como também ajudava a manter as populações vizinhas.” (Marques 1968, pág. 116)
Em relação aos silos de Alcobertas as primeiras referências de que temos registo são-nos dadas por Afonso do Paço[1]:
“A menos de 100 metros deste local e junto da povoação das Alcobertas, encontrou-se também um notável agrupamento de silos, cavados num grés avermelhado.Deles se reconheceram completamente uns vinte e seis que se podem considerar intactos; de uns vinte e cinco a mais encontram-se depressões no terreno ainda não reconhecidas completamente; escavações feitas para tirar saibro destruíram um bom número, alguns dos quais se vêm cortados a meio e verticalmente.
Deviam estender-se por uma zona cujo eixo andaria aproximadamente por setenta metros.
Pelo que ainda existe e já foi destruído para extracção de saibro, o seu número deveria elevar-se a oitenta ou cem.
O reconhecimento feito no interior de um deles, acusa-lhes uma capacidade aproximada de dois meios[3]. A terra que se retirou, vista cuidadosamente, não continha qualquer indício de sementes.
A L. deste conjunto existiram dois outros agrupamentos de silos, de que hoje nada resta. Um deles pelas alturas da Fig. I, C e outro ao pé das casas de Alqueidão. A tampa de um destes últimos era utilizada, pelo seu achador, para cobrir o pote das azeitonas. Hoje é pertença de um dos signatários (F.B.)[4].
Um muro, de que há restos ainda restos visíveis, devia cercar o primeiro grupo de silos. Isto leva-nos a admitir, para a região, uma grande riqueza agrícola, mas por enquanto ainda não dívisamos a que período pertencera.” (Paço 1959, pág. 291 e 292)
Nos arquivos de correspondência[5] da Câmara Municipal de Rio Maior fomos encontrar alguns ofícios trocados entre a Edilidade e várias instituições, onde se denota um certo interesse e preocupação por este património, então recentemente descoberto.
A primeira missiva localizada, data de 26 de Janeiro de 1960, é dirigida ao Engenheiro director-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, por sugestão da Comissão de Arte e Arqueologia, solicitando o envio de um técnico para visita aos “SILOS recentemente descobertos".
Segue-se uma a 4 de Fevereiro de 1960, dirigida à mesma Instituição, reforçando o pedido anterior, "para efeitos de visitar e classificar os SILOS romanos (...) os quais, segundo alguns técnicos que os observaram, são os mais completos da Europa. Demonstrando a urgência da vinda desse técnico porque, (...) esta Câmara Municipal põe todo o interesse na conservação destes elementos de grande valor arqueológico que muito virão contribuir para a valorização desta região sob os pontos de vista turístico e artístico."
A 29 de Julho de 1960, a Câmara Municipal solicita à direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, um "subsídio de extraordinário de 15 contos", para a vedação deste espaço, e assim, "evitar-se-á o perigo de os mesmos serem deteriorados".
Colocada a vedação e continuando esta área a ser muito procurada, a Câmara Municipal assumiu a pretensão de melhorar os acessos ao local. Em ofício de 17 de Março de 1964, dirigido à DGEMN, sobre a "CONSTRUÇÃO DE UM CAMINHO MUNICIPAL DE ALCOBERTAS AOS SILOS ROMANOS", "Porque os Silos Romanos nas Alcobertas têm sido muito procurados quer sob o ponto de vista turístico quer científico, venho rogar a V. Exa. A fineza de conceder um subsídio para a realização da obra" (...). Afirmando ser "um caminho indispensável, pois sem ele é difícil dar a conhecer tão valioso património, pois os visitantes vêem-se impossibilitados de se deslocarem até junto do recinto, onde se encontram os silos." Não encontrámos qualquer referência relativa à atribuição, ou não, deste subsídio.
Silos de Alcobertas: características técnicas
Os Silos Medievais de Alcobertas constituem o maior conjunto de Silos conhecidos na Península Ibérica em contexto rural não urbano ou doméstico e possuem as seguintes características:
Dos 35 silos inventariados, 29 estão abertos e 6 encontram-se parcialmente entulhados, através da utilização de Radar no espaço foram detectados anomalias que podem corresponder a novos silos.
Identificaram-se cinco tipos distintos:
Tipo Garrafa;
Tipo Globular,
Tipo Globular de Fundo Achatado;
Tipo Gota;
Tipo Corpo Alongado de Fundo Arredondado.
No concerne a dimensões temos:
Bocas – variando entre os 39 e os 65 cm;
Profundidade – entre os 141 e os 213,5 cm;
Diâmetro máximo – entre os 104 e os 161 cm.
Os fundos repartem-se entre arredondado, achatados e planos. Este facto poderá estar relacionado com a utilização dos silos para armazenagem de outros produtos para além dos cereais, em contentores cerâmicos ou de outro tipo, empilhados.
A boa drenagem das águas pluviais é assegurada pelo facto de serem escavados ao longo da crista do maciço de Grés e da elaboração de um rebordo de encaixe da tampa e estrutura vedante sempre de acordo com a orientação do declive local, promovendo um escoamento rápido.
[1] Paço, Afonso do, et al, "NOTAS ARQUEOLÓGICAS DA REGIÃO DE ALCOBERTAS (RIO MAIOR)", in I Congresso Nacional de Arqueologia, Actas e Memórias, Vol. I, 1959, pág. 2291 e 292.
[3] Leia-se dois moios (Corresponde a cerca de 1656 litros de cereal).
[4] Francisco Barbosa, (já falecido. Os herdeiros afirmam desconhecer o paradeiro o espólio arqueológico recolhido)
[5] Arquivo Morto da Câmara Municipal de Rio Maior, Pasta 34
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